Os livros da série Casos Clínicos Hospital da Luz destinam-se a médicos e pretendem dar a conhecer alguns exemplos do que são os casos clínicos tratados no Hospital da Luz, seleccionados entre muitos outros pela sua originalidade, complexidade, inovação ou demonstração da capacidade organizativa da instituição.
Editor | Prof. Dr. Américo Dinis da Gama
Edição | Luz Saúde
Informações sobre este livro | casos.clinicos@luzsaude.pt
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CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A presença de tecido tiroideu ectópico na vida adulta é o resultado de uma perturbação da embriogénese normal desta glândula. A identificação clínica desta entidade é rara, calculando-se que a sua prevalência seja de uma em 100.000 a 300.000 pessoas.1 No entanto, alguns estudos realizados em autópsias, permitiram identificar a presença de tiróide fora da sua localização anatómica habitual em 7-10% dos cadáveres.1 O diagnóstico de tiróide ectópica é mais frequente na mulher até aos 40 anos de idade. Na grande maioria dos casos, o tecido ectópico é unifocal e tem uma localização cervical, principalmente na base da língua, na região anatómica correspondente ao foramen cecum.1-2 Para além da sua raridade, esta entidade levanta algumas questões relativamente à sua abordagem diagnóstica e terapêutica, que justificam, do ponto de vista dos autores, esta publicação. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino, de 35 anos de idade, sem medicação crónica, recorreu à consulta de Medicina Geral e Familiar no Hospital da Luz por quadro com cerca de três meses de evolução de anorexia, astenia e adinamia. Manifestava preocupação com uma eventual causa física (anemia?). O exame clínico não revelou alterações significativas. Por suspeita de patologia da tiróide foi solicitada avaliação laboratorial e ecográfica. As análises clínicas revelaram valores para a hormona estimulante da tiróide (TSH) de 10,2 mUI/L (valores de referência 0,35 - 5,50 mUI/L), tiroxina livre (FT4) de 15,3 pmol/L (valores de referência 10,4 - 22,7 pmol/L) e anticorpos antiperoxidase tiroideia (ac anti-TPO) de 51 UI/mL (valores de referência <60 UI/ mL), sem outras alterações. A ecografia do pescoço mostrou uma tiróide hipoplásica. Neste contexto, considerou-se a possibilidade de existência de tecido tiroideu ectópico. Foi então realizada cintigrafia da tiróide com Tc-99m (99mTcO4-; actividade administrada - 5mCi/185MBq, administração endovenosa), que mostrou imagem de captação anómala do radiofármaco, projectada sobre a boca, em localização mediana, atribuível a glândula tiroideia ectópica lingual, o que permitiu confirmar a hipótese anteriormente colocada. Não se verificou qualquer fixação atribuível a tecido tiroideu eutópico (Fig. 1). Para melhor esclarecimento desta imagem, foi realizada uma tomografia computorizada (TC) do pescoço. Este exame confirmou a presença de uma imagem nodular na base da língua, hiperintensa, impregnando o produto de contraste, com algumas formações quísticas, medindo cerca de 1,9 cm, que não comprometia de forma
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TIROÍDE ECTÓPICA LINGUAL. CASO CLÍNICO Fig. 1 Cintigrafia da tiróide com pertecnetato (99mTcO4-; actividade administrada - 5mCi/185MBq; administração endovenosa; imagem obtida 15 minutos após a injecção) Captação anómala do radiofármaco, projectada sobre a boca, em localização mediana, atribuível a glândula tiroideia ectópica lingual. Sem qualquer fixação atribuível a tecido tiroideu eutópico significativa a via aérea. Para além desta lesão, foi identificada uma outra, também nodular, com cerca de 2,4 cm, de contornos irregulares, localizada no pavimento bucal, em posição paramediana esquerda (Fig. 2 e 3). Por não se conseguir identificar, com segurança, a fixação do radiofármaco no pavimento bucal, optou-se pela realização de citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) guiada por ecografia da lesão nodular aí localizada. Na ecografia, no pavimento da boca, lateralizada à esquerda, observou-se uma área nodular com 28 mm, relativamente bem circunscrita, ecogénica com áreas microquísticas e discretos focos de hipervascularização. O exame citológico enquadrou-se no diagnóstico de tecido tiroideu ectópico. Não foram identificados gânglios cervicais suspeitos (Fig. 4 e 5). 71