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CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A presença de tecido tiroideu ectópico na vida adulta é o resultado de uma perturbação da embriogénese normal desta glândula. A identificação clínica desta entidade é rara, calculando-se que a sua prevalência seja de uma em 100.000 a 300.000 pessoas.1 No entanto, alguns estudos realizados em autópsias, permitiram identificar a presença de tiróide fora da sua localização anatómica habitual em 7-10% dos cadáveres.1 O diagnóstico de tiróide ectópica é mais frequente na mulher até aos 40 anos de idade. Na grande maioria dos casos, o tecido ectópico é unifocal e tem uma localização cervical, principalmente na base da língua, na região anatómica correspondente ao foramen cecum.1-2 Para além da sua raridade, esta entidade levanta algumas questões relativamente à sua abordagem diagnóstica e terapêutica, que justificam, do ponto de vista dos autores, esta publicação. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino, de 35 anos de idade, sem medicação crónica, recorreu à consulta de Medicina Geral e Familiar no Hospital da Luz por quadro com cerca de três meses de evolução de anorexia, astenia e adinamia. Manifestava preocupação com uma eventual causa física (anemia?). O exame clínico não revelou alterações significativas. Por suspeita de patologia da tiróide foi solicitada avaliação laboratorial e ecográfica. As análises clínicas revelaram valores para a hormona estimulante da tiróide (TSH) de 10,2 mUI/L (valores de referência 0,35 - 5,50 mUI/L), tiroxina livre (FT4) de 15,3 pmol/L (valores de referência 10,4 - 22,7 pmol/L) e anticorpos antiperoxidase tiroideia (ac anti-TPO) de 51 UI/mL (valores de referência <60 UI/ mL), sem outras alterações. A ecografia do pescoço mostrou uma tiróide hipoplásica. Neste contexto, considerou-se a possibilidade de existência de tecido tiroideu ectópico. Foi então realizada cintigrafia da tiróide com Tc-99m (99mTcO4-; actividade administrada - 5mCi/185MBq, administração endovenosa), que mostrou imagem de captação anómala do radiofármaco, projectada sobre a boca, em localização mediana, atribuível a glândula tiroideia ectópica lingual, o que permitiu confirmar a hipótese anteriormente colocada. Não se verificou qualquer fixação atribuível a tecido tiroideu eutópico (Fig. 1). Para melhor esclarecimento desta imagem, foi realizada uma tomografia computorizada (TC) do pescoço. Este exame confirmou a presença de uma imagem nodular na base da língua, hiperintensa, impregnando o produto de contraste, com algumas formações quísticas, medindo cerca de 1,9 cm, que não comprometia de forma

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TIROÍDE ECTÓPICA LINGUAL. CASO CLÍNICO Fig. 1 Cintigrafia da tiróide com pertecnetato (99mTcO4-; actividade administrada - 5mCi/185MBq; administração endovenosa; imagem obtida 15 minutos após a injecção) Captação anómala do radiofármaco, projectada sobre a boca, em localização mediana, atribuível a glândula tiroideia ectópica lingual. Sem qualquer fixação atribuível a tecido tiroideu eutópico significativa a via aérea. Para além desta lesão, foi identificada uma outra, também nodular, com cerca de 2,4 cm, de contornos irregulares, localizada no pavimento bucal, em posição paramediana esquerda (Fig. 2 e 3). Por não se conseguir identificar, com segurança, a fixação do radiofármaco no pavimento bucal, optou-se pela realização de citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) guiada por ecografia da lesão nodular aí localizada. Na ecografia, no pavimento da boca, lateralizada à esquerda, observou-se uma área nodular com 28 mm, relativamente bem circunscrita, ecogénica com áreas microquísticas e discretos focos de hipervascularização. O exame citológico enquadrou-se no diagnóstico de tecido tiroideu ectópico. Não foram identificados gânglios cervicais suspeitos (Fig. 4 e 5). 71

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