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Hospital Beatriz Ângelo Figura 2. TC abdominal com metastização hepática. Figura 1. Cintigrafia óssea com documentação de metastização em D2 e D3. Figura 3. TC torácica com múltipla metastização pleural e paracardíaca. até que durante o décimo terceiro ano após o diagnóstico inicial se constatou duplicação do valor de PSA (de 3,78 ng/mL para 6,75 ng/mL). Iniciou nessa altura prednisolona e cetoconazol em alta dose, mantendo BAC. No início do décimo quarto ano após o diagnóstico, por critério de área de residência, foi referenciado para o Hospital Beatriz Ângelo (HBA). Na primeira consulta no HBA o doente apresentava-se assintomático, com bom estado geral (performance status ECOG 0), sem qualquer alteração no exame objetivo. O valor de PSA era de 16,8 ng/mL. Foram pedidos exames imagiológicos para documentar recidiva da doença, cons tatando-se em cintigrafia óssea (CGO) achados compatíveis com metastização óssea na coluna dorsal (D2 e D3) (Fig. 1). Em tomografia computorizada do tórax, abdómen e pélvis (TC TAP), identificaram-se nódulos pleurais direitos, sem seguro significado patológico, a merecer controlo evolutivo. Perante a evidência de metastização óssea iniciou terapêutica com ácido zoledrónico e dado o envolvimento ósseo ser limitado (D2 e D3) realizou RT para controlo local de doença oligometastática com boa tolerância e diminuição do valor de PSA para 6,17 ng/mL. Cerca de nove meses depois, por aumento de PSA para 22,98 ng/mL, repetiu CGO com discreta redução volu métrica e sem novos focos de metastização óssea e TC TAP com múltiplos nódulos pleurais direitos, derrame pleural direito, múltiplas adenopatias paracardíacas direitas (Fig. 2), assim como imagem nodular de cerca de 36 mm no lobo direito do fígado a nível subcapsular (Fig. 3), sugestivos de doença metastática. A nova situação clínica, de cancro da próstata metas tático resistente a castração, foi discutida em consulta multidisciplinar, tendo-se decidido que, dado o múltiplo – 52 –
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Casos Clínicos 2017 envolvimento visceral da doença (pleural, pulmonar e hepático), com doença óssea estável, o doente deveria realizar quimioterapia com docetaxel, em detrimento de abiraterona ou enzalutamida, mantendo-se prednisolona, goserrelina e bisfosfonato. Iniciou quimioterapia no mês seguinte a este diagnóstico. Realizou um total de 12 ciclos de QT com docetaxel, com boa tolerância e resposta, com diminuição de PSA para valores inferiores a 1 ng/mL. Em avaliação imagiológica por TC TAP documentou-se resposta imagiológica quase completa de todas as lesões viscerais (Figs. 4 e 5) e estabilização da lesão óssea. Desde então mantém seguimento clínico, laboratorial e imagiológico regular, sem evidência de progressão da doença 30 meses após ter completado o tratamento com quimioterapia. Figura 4. TC abdominal realizada após quimioterapia. Figura 5. TC torácica realizada após quimioterapia. Discussão O carcinoma da próstata tem atualmente um impacto im portante, não só pela mortalidade, como pela morbilidade que acarreta. Apesar de não existir um programa de rastreio estabelecido, muitos dos diagnósticos são realizados, em fase inicial, no decurso de um aumento dos valores de PSA. Em linha de conta com as restantes doenças oncológicas, quando existe um diagnóstico precoce, com doença locali zada, o prognóstico é mais favorável mediante a realização de tratamento com intuito curativo. No caso de patologia metastática sensível a castração, o tratamento baseia-se em bloqueio androgénico, tendo o paradigma de tratamento sido recentemente alterado, com a demonstração de benefício muito significativo de combinação de bloqueio androgénico e QT com docetaxel nesta fase.2,3 Apesar dos avanços terapêuticos alcançados, ainda existe um importante número de casos em que se desenvolve doença resistente a castração androgénica, e que estão associados a um prognóstico desfavorável.16 Têm sido envidados esforços significativos no desenvolvimento de novos algoritmos terapêuticos para esta entidade, tendo sido aprovados recentemente fármacos inovadores, como a abiraterona e enzalutamida, assim como a demonstração de eficácia de QT com docetaxel e cabazitaxel.9-12,14,15 O caso clínico descrito ilustra a utilização sequencial de diversas modalidades terapêuticas, conforme o estádio e forma de apresentação de doença, tendo-se assistido ao paradigma de desenvolvimento de doença resistente a castração. É surpreendente a excelente resposta obtida à quimioterapia, sobretudo com me tastização visceral (associada a pior prognóstico do que a metastização óssea isolada), estando o doente após 30 meses de seguimento ainda sem evidência de progressão de doença. Em termos comparativos, o estudo que aprovou a utilização de quimioterapia com docetaxel nesta fase da doença reportou uma mediana de sobrevivência global de cerca de 18 meses e media na livre de recidiva bioquímica (aumento de PSA) de cerca de oito meses.14 O carcinoma da próstata é uma neoplasia muito frequente, com um prognóstico mais favorável quando comparado com o de outras neoplasias. Pode ter uma evolução longa, inclusivamente em doentes com doença metastizada, sendo importante uma correta avaliação multidisciplinar para definição da melhor sequência terapêutica, com o objetivo de aumentar a sobrevivência e preservar a qualidade de vida. – 53 –







